sábado, 9 de maio de 2009

Poluir compensa...

"O Conselho de Ministros deu, na passada semana, luz-verde a uma Proposta de Lei que "procede à primeira alteração à Lei nº50/2006, de 29 de Agosto, que estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais".
A iniciativa "fundamenta-se" na necessidade de "conferir ao regime aplicável às contra-ordenações ambientais um carácter mais adequado ao quadro socioeconómico do país". E de, caminho, aproveita demagogicamente a "boleia" de uma pretensa defesa das "pessoas singulares e das pessoas colectivas (leia-se marioritariamente empresas) de pequena e média dimensão" para reduzir a "larga maioria dos valores das coimas, com especial relevo para os limites mínimos".
Esta triste ideia, além de constituir o pior dos sinais possíveis do Estado para os agentes económicos - induzindo-os a pensar que violar a lei, afinal, pode até nem ser tão grave - representa uma total autodesautorização do Estado, já que será sempre, no mínimo, legítimo questionar sobre se agora baixa as coimas , por que razão as colocou, então, anteriormente o mesmo legislador num nível alegadamente elevado? A censura dos comportamentos em questão não deveria manter-se, então, a mesma?Em que resultados efectivos da aplicação se estriba este mortal à retaguarda?
Em qualquer Faculdade de Direito aprende-se, nos primeiros dias, que " o Direito é um sistema de normas de conduta social assistido de protecção coactiva". Ou seja, a característica fundamental que confere à norma jurídica o seu carácter "legal"é, precisamente, a possibilidade de o seu comando ser importo coercivamente pelo Estado. E a sançãp (coima, pena de multa, prisão, etc) aplica-se em função de um desvalor de uma acção ou de um comportamento que, previamente, foi tipificado pelo legislador na norma jurídica, em função de uma censura social.
Por outro lado, sendo o Ambiente " o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directou ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do Homem" [cfr. artigo 5º/2 a) da Lei de Bases do Ambiente], fácil fica de ver que reduzir as sanções ambientais não representará nunca - como pretende o Governo- qualquer protecção para a economia e designadamente para as PME- até porque alguns dos maiores crimes e violações ambientais são frequentemente praticados por empresas de maior dimensão que, por isso mesmo, têm também mais capacidade para poluir-, mas, antes, a falência completa do próprio Direito do Ambiente.
Pior: As violações ambientais têm, como se saber, muito frequentemente, efeitos na saúde humana... Pelo que o efeito da proposta de lei agora aprovada pelo Governo não poderia ser mais estultícia do ponto de vista da potencial protecção do Estado ao direito aos cidadãos à saúde, ao ambiente e à qualidade de vida.
Mas, de um ponto de vista político, se o Ministério do Ambiente já era praticamente inexistente - com os projectos PIN a invadir tudo o que é espaço natural sob protecção, com as avaliações de impacte ambiental, sobretudo dos grandes projectos, a serem completamente arredadas de qualquer consideração e ridicularizadas, com o fim anunciado da REN e da RAN, por desistência graciosa do Estado das suas funções (só para referir alguns pequenos exemplos) - esta proposta do Governo é a autêntica " cereja em cima do bolo" que- infelizmente!- apenas confirma que a aversão ao Ambiente deste colectivo é... colectiva e o Ministério do Ambiente apenas o seu " pau para toda a obra".
Pensar numa política de Ambiente para o futuro é, sobretudo, induzir uma mudança global de atitude perante a utilização dos recursos naturais e a conservação do património ambiental.
Quando por toda a Europa se aposta no desempenho ambiental como factor de competitividade, em portugal o Governo insiste em levar-nos de volta ao século passado. Enfim, dois terços da terra são mar e o barco à deriva acaba sempre por encalhar..."

JOSÉ EDUARDO MARTINS
in Expresso
9 de Maio de 2009

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