terça-feira, 26 de maio de 2009

Jurisprudência UE sobre a AIA

Em acórdão de 14 de Junho de 2001, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) pronunciou-se, num primeiro Processo por Incumprimento movido pela Comissão contra o Reino da Bélgica (art. 226º TCE), pelo não cumprimento das obrigações decorrentes de várias Directivas em matéria de ambiente.
Relevante para este comentário é o incumprimento decorrente da Directiva 85/337/CEE, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente.

Acórdão TJCE de 14 de Junho de 2001 (“Comissão contra Bélgica”)

O Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos arts. 2º e 8º da Directiva 85/337/CEE, de 27 de Junho de 1985.
Esta Directiva prevê, no art. 2º, que os Estados-Membros tomem as disposições necessárias para que os projectos que possam ter um impcto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes da concessão da aprovação.
As disposições do Direito belga destinadas a transpôr esta Directiva, impuseram a obrigação de pedir uma autorização. Porém, algumas destas disposições, nomeadamente as que figuram na regulamentação das Regiões da Flandres e da Valónia, prevêem um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações. Deste modo, se a autoridade competente não se pronunciar em primeira instância acerca de um pedido de autorização, considera-se que esta é recusada. No entanto, em segunda instância, no silêncio da autoridade competente no prazo previsto, considera-se que a autorização é concedida.
Em resposta ao parecer fundamentado da Comissão (que integra a fase pré-contenciosa ou administrativa do Processo por Incumprimento), o Governo Regional da Flandres argumentou que uma autorização tácita não implica uma avaliação passiva ou uma negligência por parte da autoridade competente, uma vez que o pedido de autorização dava lugar a uma avaliação circunstanciada.
Porém, o TJCE no Acórdão Linster (C-287/98), declarou que o objecto essencial da Directiva 85/337 é que “antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.” Desta jurisprudência resulta a consequência de que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências da Directiva visada, uma vez que esta prevê processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. Deste modo, as autoridades nacionais são obrigadas, nos termos desta Directiva, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.

Relevância do Acórdão do TJCE (“Comissão contra Bélgica”) para a análise do regime da AIA português

O procedimento de AIA português é faseado, como demonstra a análise da Lei 69/2000, de 3 de Maio, com as alterações efectuadas pelo Decreto-Lei nº 197/2005, de 8 de Novembro. Assim, o procedimento de AIA antecede necessariamente o processo de autorização propriamente dito. Daí que seja anterior e autónomo em relação a ele. Como refere Colaço Antunes, o procedimento de AIA “qualifica-se como um sub-procedimento ou procedimento coligado, que se enxerta no procedimento de autorização, aportando elementos cognoscitivos, técnico-científicos, relativos às diversas interacções entre o projecto e os vários elementos ambientais que devem confluir numa avaliação ambiental.” É a letra da Directiva 85/337/CEE (art. 2º) que inculca a autonomia do procedimento de avaliação em relação ao procedimento decisório da aprovação de um dado projecto.
De acordo com a jurisprudência Linster e Comissão contra Bélgica, resulta que o culminar deste processo consiste numa decisão expressa de concessão de autorização. Cabe perguntar: é o regime português da AIA, regulado pelos diplomas acima referidos, conforme à jurisprudência comunitária sobre a matéria?
A uma análise atenta do regime da AIA não escapa a previsão do deferimento tácito no art. 19º da Lei 69/2000 com as alterações do Decreto-Lei 197/2005.
A norma contida no nº 1 do art. 19º é susceptível das seguintes críticas:
1. É um paradoxo prever o deferimento em caso de silêncio da entidade competente para a DIA num regime em que a decisão negativa é sempre vinculativa.
2. O art. 19º/1 subverte a intencionalidade do regime legal, não sendo coerente com a previsão de uma DIA concebida como paracer favorável para a entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto.
3. A regra geral no Direito Administrativo Português é o indeferimento tácito (arts. 108º e 109º CPA). Apenas nas actividades dos particulares qualificadas como autorizações permissivas (situações em que o particular dispõe de um direito pré-existente à emissão da autorização, estando apenas o exercício de tal direito condicionado à autorização respectiva) e nos casos especialmente previstos na lei se estabelece o deferimento tácito (nos termos do art. 108º CPA), valendo para todos os outros casos o indeferimento (art. 109º CPA).
No caso da AIA, em face de todas as limitações estabelecidas ao licenciamento e autorização dos projectos a ela sujeitos, não se pode considerar que o proponente goze de qualquer direito antes de iniciado o procedimento com vista a tal licenciamento ou autorização. Na verdade, a obrigação de sujeitar projectos que sejam susceptíveis de provocar impactos ambientais significativos a um procedimento prévio de AIA representa uma restrição intensa aos direitos de construção e de iniciativa económica dos particulares, pelo que o acto de licenciamento ou de autorização do projecto se insere mais claramente na categoria das autorizações constitutivas de direitos ou de autorizações-licença (situações em que a norma retirou ao particular certos direitos ou o exercício de faculdades que se contêm nos seus direitos, admitindo-se, no entanto, que a administração possa atribuir ao particular o direito que lhe foi retirado). Não é apenas o exercício do direito (como acontece nas autorizações permissivas) mas o próprio direito de iniciativa económica que está condicionado, não gozando o proponente de qualquer direito antes da autorização nem, por maioria de razão, antes da DIA. Deste modo, o acto tácito que se forme, pelo decurso do prazo sem pronúncia da administração, deveria ser qualificado como um acto de conteúdo negativo: um acto de indeferimento tácito.
4. O princípio da prevenção (que impõe que todas as actuações com efeitos lesivos no ambiente sejam consideradas de forma antecipativa, eliminando-se as causas antes da correcção dos efeitos) e o princípio da precaução (determinante de uma inversão do ónus da prova em matéria de ambiente, no sentido de que qualquer actuação potencialmente lesiva do ambiente não deve ser autorizada) reforçam a incompreensão pela opção legislativa.
5. Os prazos globais de 120 e de 140 dias fixados para a comunicação da DIA à entidade licenciadora ou competente para a autorização, forçam uma actuação necessariamente mais célere das entidades ambientais, sob pena de verem desprovida de efeito útil a sua intervenção no procedimento de licenciamento ou de autorização dos projectos submetidos a AIA.

Conclusão

Apesar de os efeitos do acórdão do TJCE proferido num primeiro Processo por Incumprimento serem apenas declarativos, já que o Tribunal apenas constata a existência de uma situação de incumprimento, a jurisprudência proferida neste processo é de extrema relevância para a interpretação das disposições comunitárias violadas.
Da jurisprudência analisada resulta que em matéria de avaliação ambiental de projectos públicos e privados, as autorizações tácitas violam a Directiva 85/337/CEE.
Diferentemente do caso belga, em que o deferimento tácito funcionava em segunda instância, no caso português o deferimento tácito funciona logo em primeira instância. Este deferimento tácito, além de violar o Direito Comunitário, é de difícil compreensão face aos postulados dos actos de deferimento tácito do Direito Administrativo e face aos princípios fundamentais do Direito do Ambiente.

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