Os biocombustíveis são apontados como uma das soluções para o curto prazo em termos de redução das emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) nos transportes. No entanto tanto a sua produção, como comercialização continuam envoltas em debate. A utilização de terras agrícolas para produções energéticas levanta inúmeras preocupações, das quais se destacam as de ordem humana relativamente à falta de alimentos ou subida dos preços face ao crescente interesse pelos biocombustíveis e as de ordem ambiental, já que a utilização intensiva dos solos além de promover a libertação de GEE em maior escala que um terreno em pousio pode supor um elevado uso de pesticidas e outros químicos onde foram gastas elevadas quantidades de combustíveis fósseis para a sua produção.
A União Europeia não está desatenta e procura uma estratégia para o uso sustentável da biomassa e dos biocombustíveis, em particular, em conjunto com a agricultura tradicional. Essa estratégia assenta na utilização dos recursos locais e de importações suportada por alterações na legislação da qualidade dos combustíveis com vista a aumentar a percentagem de biocombustíveis passível de ser incorporada nos combustíveis fósseis (actualmente cifra-se em 5% volumétrico). Os vários cenários traçados pela Agência Europeia do Ambiente (EEA) apontam para o uso de terra arável no conjunto dos 25 países da EU (à data Roménia e Bulgária ainda não tinham entrado) entre os 7 e os 13% para as culturas menos intensivas em termos de uso do solo – adequadas para a produção de bioetanol - e entre 11 e 25% para as culturas mais intensivas em termos de uso do solo – adequadas para a produção de biodiesel. Como a União Europeia possui uma grande frota de veículos a diesel a opção do bioetanol tem de ser potenciada favorecendo o uso de motores movidos a etanol.
Em termos de políticas para a promoção do uso de biocombustíveis a União Europeia propõe duas: a isenção fiscal dos biocombustíveis (polémico porque os biocombustíveis de origem europeia não são competitivos com os importados caso haja isenção total de impostos) e a obrigatoriedade das empresas de combustíveis convencionais terem de incorporar nos seus combustíveis um certo teor de biocombustíveis. Esta medida só será possível mediante a alteração da Directiva sobre a Qualidade dos Combustíveis. A União Europeia definiu a meta de 5,75% de biocombustíveis para 2010 e 20% para 2020.
A legislação nacional
Portugal, como país membro da UE deve adoptar as Directivas Europeias para a sua lei e é isso que fez através do decreto de lei nº 62 de 2006 que transpõe a Directiva n.º 2003/30/CE da União Europeia. Os biocombustíveis são classificados em dez tipos:
- “Bioetanol: etanol produzido a partir de biomassa e ou da fracção biodegradável de resíduos para utilização como biocombustível;
- Biodiesel: éster metílico produzido a partir de óleos vegetais ou animais, com qualidade de combustível para motores diesel, para utilização como biocombustível;
- Biogás: gás combustível produzido a partir de biomassa e ou da fracção biodegradável de resíduos, que pode ser purificado até à qualidade do gás natural, para utilização como biocombustível, ou gás de madeira;
- Biometanol: metanol produzido a partir de biomassa para utilização como biocombustível;
- Bioéter dimetílico: éter dimetílico produzido a partir de biomassa para utilização como biocombustível;
- Bio-ETBE (bioéter etil-ter-butílico): ETBE produzido a partir do bioetanol, sendo a percentagem em volume de bio-ETBE considerada como biocombustível igual a 47%;
- Bio-MTBE (bioéter metil-ter-butílico): combustível produzido com base no biometanol, sendo a percentagem em volume de bio-MTBE considerada como biocombustível de 36%;
- Biocombustíveis sintéticos: hidrocarbonetos sintéticos ou misturas de hidrocarbonetos sintéticos produzidos a partir de biomassa;
- Biohidrogénio: hidrogénio produzido a partir de biomassa e ou da fracção biodegradável de resíduos para utilização como biocombustível;
- Óleo vegetal puro produzido a partir de plantas oleaginosas: óleo produzido por pressão, extracção ou processos comparáveis, a partir de plantas oleaginosas, em bruto ou refinado, mas quimicamente inalterado, quando a sua utilização for compatível com o tipo de motores e os respectivos requisitos relativos a emissões.”
A sua disponibilização pode ser feita na forma de: “biocombustíveis puros ou em concentração elevada em derivados do petróleo (em conformidade com normas específicas de qualidade para os transportes), de biocombustíveis misturados com derivados do petróleo (em conformidade com as normas comunitárias EN 228 e EN 590 que estabelecem as especificações técnicas aplicáveis aos combustíveis para transportes) ou Líquidos derivados de biocombustíveis (como o bio-ETBE)”. Aqui se percebe a urgência da mudança das normas Europeias para permitir uma maior incorporação.
A problemática do cumprimento das metas estabelecidas pela União Europeia e que se traduzem nas metas nacionais leva a que seja prevista a imposição de “quotas mínimas de incorporação obrigatória destes combustíveis nos carburantes de origem fóssil” (caso o ritmo da introdução de biocombustíveis seja inferior ao previsto). No entanto essa decisão é da responsabilidade dos “ministros responsáveis pelas áreas das finanças, o ambiente, da economia, da agricultura e dos transportes”.
Outra das medidas previstas é a isenção de Impostos sobre os Produtos Petrolíferos (ISP). O decreto de lei nº 66 de 2006 prevê a isenção total de ISP (até 5 anos) aos pequenos produtores até ao máximo global de 15000 toneladas e parcial - entre 0,28 e 0,30 euros/litro - para o restante.
A comercialização é limitada apenas a entidades titulares de entrepostos fiscais de produtos petrolíferos ou energéticos se os biocombustíveis estiverem destinados a serem incorporados em produtos petrolíferos. A excepção verifica-se no caso da introdução no mercado for feita no estado puro e para os “Pequenos Produtores Dedicados”, figura criada (cujo reconhecimento está sujeito a despacho conjunto do Director-geral de Geologia e Energia – DGGE - e do Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - DGAIEC) para as empresas cuja produção máxima anual seja de 3000 toneladas de biocombustível ou de outros combustíveis renováveis (com origem no “aproveitamento de matérias residuais” ou de “produtos menos poluentes”, com base em “processos inovadores”, ou em “fase de demonstração”) e que destinem a sua produção a “frotas e consumidores cativos”, devidamente identificados e com os quais tenha sido celebrado contrato. Este regime prevê a não obrigatoriedade de entrega dos impostos, mas exige a comunicação trimestral à DGGE e à DGAIEC da quantidade de biocombustíveis ou de outros combustíveis renováveis bem como a identificação dos consumidores e das respectivas quantidades que lhes tenham sido entregues.
O decreto de lei promove ainda a “utilização de biodiesel em frotas de transportes públicos” exigindo no entanto que a sua “incorporação nos carburantes fósseis seja superior a 10%” e alivia, neste caso, as empresas fornecedoras da obrigação de entregarem as suas produções às empresas petrolíferas para posterior comercialização.
Para os retalhistas é obrigatório a fixação nos postos de venda se a percentagem de biocombustíveis, em mistura com derivados de petróleo, exceder “5% de ésteres metílicos de ácidos gordos (FAME), ou 5% de bioetanol”.
A incorporação de mais de 5% de biocombustíveis em mistura com o gasóleo “em veículos não adaptados”fica sujeito ao “controlo dos efeitos da sua utilização no ambiente” (emissões para a atmosfera).
A situação nacional
O mercado português e à semelhança do Europeu é caracterizado por um elevado número de veículos a gasóleo (29% do consumo é em gasolina e 62% de gasóleo), ficando assim limitado o uso de bioetanol e havendo uma procura muito maior de biodiesel, bem patente na redacção do decreto de lei. Para a produção de biodiesel utilizam-se essencialmente culturas oleaginosas e a posterior esterificação. As culturas tradicionais são a colza e o girassol. Para a produção de bioetanol utilizam-se derivados da fermentação das culturas ricas em celuloses, em açúcar e em amido e em Portugal as culturas interessantes são os cereais (cevada, milho, trigo, centeio, sorgo) e tubérculos (beterraba sacarina, batata).
Potencial de produção de bioetanol (m3)
A nível nacional a meta de 5,75% foi aumentada recentemente (anunciada pelo Primeiro Ministro) para 10% e será possível a comercialização de combustíveis com uma incorporação até 20% de biocombustíveis. Portugal que até agora não tem atingido nenhuma das metas intermédias da UE para o objectivo de 2010 compromete-se quase a duplicar o objectivo da UE. Nesse horizonte a EEA indica como estimativa para o uso intensivo do terreno arável em 2010, para Portugal, 50%, o que resulta em 250000 ha disponíveis para culturas bioenergéticas, mas a decrescer para 2020 e 2030. Em termos de potencial energético a EEA aponta para 0,7 Mtep base agrícola, 0,2 Mtep à base de resíduos florestais e 2,7 Mtep à base de lixos/resíduos.
Actualmente as grandes produtoras de biocombustíveis – biodiesel - são a Iberol e a Torrejana, detida pela Tracopol (base soja e colza). Estas duas empresas têm uma capacidade instalada de 200 mil toneladas que é adquirida na totalidade pela Galp. Isto permitiu atingir os 3% de penetração. Novos projectos da Martifer, Enersis e Galp vão permitir atingir o valor de cerca de 700000 toneladas em 2010. No entanto em termos de área agrícola necessária a GALP aponta para 700000 e 1000000 de ha, o que não existe em Portugal a não ser que terrenos destinados à produção alimentar mudem para produção energética. Atendendo aos 250000 ha apontados pela EEA a importação de biocombustíveis é inevitável.
Uma chamada de atenção para os vários projectos de produção de energia eléctrica a partir de biomassa e de biogás que não entram nas contas dos biocombustíveis, mas sim na da electricidade de origem renovável, o que pode levar a que o potencial energético dos biocombustíveis seja “desviado” para a produção de energia eléctrica. Em 2007 a DGE indicou 6 GWh de produção eléctrica apenas a partir do biogás. Acrescente-se que a eficiência de obtenção de energia (calor ou electricidade) através da queima de biomassa é dramaticamente superior à utilização dessa mesma biomassa na produção de biocombustíveis, o que quer dizer que o potencial de redução de emissões de GEE é muito superior na produção de energia. Isto leva a que muitos se oponham aos biocombustíveis como forma de reduzir as emissões de GEE.
Os portugueses estão alheios a estas problemáticas e seriam extremamente sensíveis a soluções que permitissem baixar a sua factura com os combustíveis, atendendo à evolução do preço dos combustíveis fósseis. A face mais conhecida dos biocombustíveis está patente nos transportes públicos onde abundam os veículos movidos a biodiesel (percentualmente) e alguns a gás natural. Seria muito interessante sensibilizar os cidadãos para os biocombustíveis e as suas vantagens, bem como a problemática das emissões de GEE nos transportes.
Futuro dos biocombustíveis
Os biocombustíveis estão divididos entre os de primeira e os de segunda geração, sendo os primeiros os demonstrados comercialmente como capazes de serem produzidos e os segundos os que se encontram sob investigação. Actualmente pensa-se que a segunda geração não será capaz de entrar no mercado antes de 2015-2020, o que leva a uma certa pressão para favorecer a sua entrada de uma forma mais rápida. No entanto a Associação Europeia de Biomassa (AEBIOM) não apoia esta ideia porque não há razões para acreditar que a segunda geração – subprodutos da madeira, palha e lixo – não seja viável economicamente sem os apoios extras pelo simples facto de estar disponível em grandes quantidades. Este último facto não parece ser verdade, o que pode assim distorcer o mercado e acima de tudo diminuir a eficiência de processos energéticos que até à data consumiam esses recursos de uma forma diferente (exemplo da queima de madeira para processos industriais versus a queima de biocombustíveis).
Os de primeira geração – biodiesel e bioetanol (para citar os mais conhecidos) – são capazes de fornecer o mercado, mas a questão da eficiência energética está no topo das preocupações. Produções agrícolas como a cana do açúcar são apontadas como altamente eficientes em termos do seu conteúdo energético enquanto que outras formas não o são, como a soja, colza ou o girassol.
No panorama nacional há que referir o que está a ser feito em termos de Investigação nesta área e aí os intervenientes principais são o IST (Instituto Superior Técnico de Lisboa), o INETI (Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial), a UC (Universidade de Coimbra) e o INIAP (Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas). O foco está no biodiesel pelas razões já apresentadas e na forma de o produzir com bases noutras culturas – mais adequadas ao clima mediterrâneo - e de outras formas de produção que o tornem mais viável economicamente.
Na questão do bioetanol e do biogás, não houve até à data qualquer mudança na estratégia dos fabricantes de automóveis nem da União Europeia para conseguir mudar o cenário do domínio do gasóleo (diesel), nem tão pouco ao nível das máquinas agrícolas, havendo no entanto notáveis exemplos de excepção em bastantes países europeus (Suécia, Itália, Alemanha, entre outros). Seria muitíssimo interessante termos motores que permitissem o uso de bioetanol a 85% e mesmo biodiesel a 100%, para não falar do biogás. Esta medida é apontada pela AEBIOM como fundamental para se atingir 25% de biocombustíveis nos transportes nas próximas décadas.
O biogás está de fora das estratégias inexplicavelmente, pois todo o lixo orgânico produzido (quer por animais quer pelo homem) é rico em metano e noutros gases susceptíveis de serem aproveitados sobre a forma de biogás ou de outros biocombustíveis. A tecnologia dos digestores já existe há muito tempo, mas a falha de incorporação no produto final – combustível para veículos – condiciona o seu desenvolvimento.
Valor energético de algumas culturas agrícolas
LHV – Valor mínimo de valor energético;
TDM – toneladas de matéria seca;
GJ - gigajoules
* Possível apenas nalguns países europeus, onde o clima o permite, já que exige colher toda a produção. É considerado a situação óptima.
Bibliografia
- Comissão das Comunidades Europeias
- EEA: Agência Europeia do Ambiente
- AEBIOM: Associação Europeia de Biomassa
- EBIA: Associação Europeia da Indústria da Biomassa
- DGEG: Direcção Geral de Energia e Geologia
- INETI: Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial
- Portal do Governo
- Diário de Notícias Online (dn.sapo.pt)
- Publico Online
- Portal da Lusa
- Portal da Agência Financeira
- Portal Tecnet
- Quercus
in PER
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