terça-feira, 21 de abril de 2009

A Constituição é verde por causa da natureza ou por nossa causa?

Por mais abstracta e inofensiva que possa parecer, a questão do confronto antropocentrismo versus ecocentrismo não é neutra nem irrelevante. Com efeito, além das abordagens teóricas tão divergentes nos seus fundamentos, estas teorias apontam caminhos concretos a serem seguidos pelos vários segmentos da sociedade e agentes ambientais, e repercutem-se tanto no mundo social como no mundo natural.
Assim, antes de tomar parte nesta querela, cumpre fazer a destrinça destas duas correntes ambientais em confronto e referir o posicionamento de alguns juristas em relação às mesmas.

Comecemos pelo Antropocentrismo que entende o Ambiente como um instrumento colocado ao serviço do Homem que o explorará para as suas necessidades. O Ambiente surge neste contexto como uma realidade virada para o bem-estar, físico e psíquico das pessoas, centrado na melhoria das condições de vida das populações.
Aqueles que defendem esta corrente consideram que o meio adequado à protecção da natureza é aquele que decorre da protecção jurídica individual, partindo dos direitos fundamentais e assumindo uma perspectiva subjectivista pautada por um certo egoísmo. Para melhor entendimento faço uso da famigerada frase de Luís XIV, ao concluir a construção de Versalhes – “Depois de mim, o dilúvio” _ Daqui decorre a ideia do pensamento antropocêntrico associado ao progresso e à prosperidade, ou seja, estando o Homem satisfeito, não interessam os valores intrínsecos da Natureza.
Vasco Pereira da Silva assume neste domínio que, “só a consagração de um direito fundamental ao ambiente (expressa ou implicitamente) pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais, provenientes quer de entidades públicas quer de privadas, na esfera individual protegida pelas normas constitucionais.”

Em confronto, surge o Ecocentrismo que se traduz numa personificação das realidades naturais e consequentemente numa tutela jurídica objectiva dos bens ecológicos. Para Freitas do Amaral que acolhe esta corrente, “já não é mais possível considerar a protecção da natureza como um objectivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem que ser protegida também em função dela mesma, como valor em si, e não apenas como um objecto útil ao homem (...) A natureza carece de uma protecção pelos valores que ela representa em si mesma, protecção que, muitas vezes, terá de ser dirigida contra o próprio homem”. O Ambiente não será instrumentalizado pelo Homem e para o Homem. Ele será visto, por si próprio, como um meio a tutelar. Na sua defesa encontramos também Carla Amado Gomes.

E na Constituição?

A fórmula do número 1 do artigo 66º revela uma visão antropocêntrica da protecção ambiental, ao consagrar expressamente o direito ao ambiente como direito fundamental (“Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”). Este parágrafo representa claramente uma opção pela tutela subjectiva do direito do ambiente, ou seja, a tutela do ambiente através da protecção jurídica individual.
Trata-se, no entanto, de um antropocentrismo temperado pela ressalva da necessidade de aproveitamento racional dos bens, no interesse das gerações actuais e vindouras, tal como podemos constatar da alínea d), nº 2 do artigo em presença: “Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos (…) promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações. Esta alínea surge como resultado da consciência de que a progressiva escassez dos recursos naturais conduzirá necessariamente á ruína das condições de vida da espécie humana no planeta, já no curto prazo. Aponta para a salvaguarda da estabilidade ecológica, evitando assim, danos irreversíveis, ainda que no interesse exclusivo do homem. Contudo, como afirma Vasco Pereira da Silva, o ambiente é melhor protegido enquanto interesse próprio do que como interesse de todos.

Mas a resposta não encerra aqui porque a Constituição é marcada também, ainda que menos intensamente, por uma perspectiva objectiva. Consagram as alíneas d) e e) do artigo 9º que constitui tarefa fundamental do Estado promover a efectivação dos “direitos ambientais” e “defender a natureza e o ambiente”. Revela um princípio jurídico objectivo que se impõe a todo o ordenamento jurídico, ou seja, uma visão Ecocêntrica.

Cabe tomar posição neste debate, assumindo que o Homem e a Natureza são duas faces distintas, porém, inseparáveis da mesma e única realidade que constitui o planeta Terra. Por isto quero eu dizer que não devemos optar por excessos fundamentalistas nem das visões Antropocêntricas nem Ecocêntricas. O fim é comum: Defesa do Ambiente. Para quê posicionarmo-nos apenas em uma das correntes? Devemos, isso sim, fomentar um meio-termo entre as duas, numa ideia de complementaridade. Primeiro, através do reconhecimento pelo Direito do valor intrínseco da Natureza, por si só, rejeitando visões utilitárias ou economicistas da mesma, tendo consciência dos deveres de preservação do meio ambiente, e depois compreender que tal protecção consubstancia igualmente uma condição de realização da dignidade da pessoa humana. Citando Vasco Pereira da Silva “partir dos direitos das pessoas, mas considerar também a dimensão objectiva da tutela ambiental, já que o futuro do Homem, não pode deixar de estar indissociavelmente ligado ao futuro da Terra”.

Este debate, no entanto, está longe de se esgotar!

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