quinta-feira, 26 de março de 2009

Ambiente

O ano 2004 foi marcado profundamente pela instabilidade política vivida no Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território. Ao longo deste ano o Ambiente conheceu três diferentes Ministros (Amílcar Theias, Arlindo Cunha e Luís Nobre Guedes), cada um com ideias muito próprias e distintas sobre a forma de conduzir a actuação deste Ministério. Este facto traduziu-se na ausência de uma estratégia para a área do Ambiente em Portugal, levando a atrasos na resolução de vários problemas ambientais graves e ao enfraquecimento do próprio Ministério.

Os Cinco Melhores Factos Ambientais de 2004

• Chumbo de incineradores na Zona Centro e nos Açores.
A recente decisão do Ministério
do Ambiente em optar pelo tratamento mecânico e biológico em detrimento da instalação de uma unidade de incineração de resíduos sólidos urbanos na zona centro do país (Coimbra e Aveiro) constitui uma das decisões ambientais mais acertadas tomada por este governo. Ao abandonar a incineração o governo não só poupou o ambiente e a saúde pública como também os recursos financeiros tão escassos no nosso país. Também a decisão do Governo Regional dos Açores em não permitir a construção de um incinerador na Ilha de São Miguel merece destaque como uma medida positiva.

• Reformulação da revisão da Reserva Ecológica e Reserva Agrícola Nacional.
O processo de revisão do regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN) estava a ser desenvolvido com base num estudo opinativo e sem rigor científico que comprometia a verdadeira natureza destes instrumentos. A decisão do Ministério do Ambiente em abandonar este estudo e constituir uma equipa para desenvolver um trabalho sério e fundamentado de revisão destas reservas é um facto positivo que se poderá traduzir no reforço destes mecanismos de ordenamento, ao contrário do que o estudo agora abandonado apontava.

• Abolição do imposto sobre produtos petrolíferos nos biocombustíveis.
A maior utilização dos biocombustíveis torna-se imprescindível numa estratégia de redução da dependência do petróleo e de diminuição das emissões atmosféricas poluentes. Por incrível que pareça, este tipo de combustíveis tem estado sujeito ao ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos) tornando-o pouco competitivo em relação aos combustíveis fósseis. A medida incluída no orçamento de estado, recentemente aprovado, de isentar os biocombustíveis de ISP torna-se fundamental para incentivar à sua utilização.

• Aprovação dos planos de ordenamento de Sintra Cascais e Vale do Guadiana.
Num cenário caracterizado por um constante adiamento da elaboração e aprovação dos instrumentos de ordenamento da maior parte das nossas Áreas Protegidas, a aprovação dos planos de ordenamento de dois Parques Naturais (Sintra-Cascais e Vale do Guadiana) constitui um acto positivo assinalável que só peca por ser a excepção e não a regra.

• Adjudicação da implementação do sistema VTSA.
vigilância, fiscalização e controlo do tráfego marítimo constitui um mecanismo fundamental para a prevenção de situações de poluição proveniente de petroleiros e outros navios de transporte de substâncias perigosas. Depois de um primeiro concurso anulado, o governo adjudicou recentemente a implementação de um Sistema de Controlo de Tráfego Marítimo (VTS- Vessel Traffic System). Este sistema permitirá recolher mais informações sobre a passagem de navios nas águas portuguesas e possibilitará um maior afastamento deste tráfego que actualmente se processa muito próximo da costa portuguesa.

Os Cinco Piores Factos Ambientais de 2004

• Decisão de construção de barragem no Sabor.
Durante a sua curta passagem pelo Ministério do Ambiente, Arlindo Cunha decidiu, à revelia dos conteúdos do Estudo de Impacte Ambiental e do parecer do Instituto de Conservação da Natureza, aprovar a construção de uma grande barragem no rio Sabor. A construção desta barragem significará a destruição irreversível do último grande rio selvagem, arrasando por completo os seus ecossistemas constituídos por espécies únicas da fauna e da flora autóctones e por diversos habitats, alguns dos quais de conservação prioritária. Os ganhos energéticos alcançados com a construção de uma grande barragem no rio Sabor podem ser facilmente obtidos alternativamente com a melhoria da eficiência energética em Portugal, uma das piores da Europa.

• Portugal com mais emissões atmosféricas.
Portugal continua a aumentar as suas emissões atmosféricas de gases com efeitos de estufa (GEE) e a distanciar-se cada vez mais dos objectivos traçados no âmbito do Protocolo de Quioto. Os últimos valores divulgados apontam para um excesso de 13,5% de emissões de GEE acima dos valores que teremos de garantir no período 2008-2012. A Agência Europeia do Ambiente já admitiu publicamente que Portugal não será capaz de cumprir as metas assumidas. Esta conclusão não é nada admirável pois os governos portugueses continuam alheados desta questão. Ainda recentemente o Orçamento de Estado foi aprovado sem prever a Taxa do Carbono, um dos instrumentos incluídos no Plano Nacional para as Alterações Climáticas e agendado para 2005.

• Incêndios florestais persistem.
Depois dos incêndios florestais terem marcado profundamente o ano de 2003, com mais de 420 mil hectares de área ardida, Portugal voltou a testemunhar o efeito destruidor do fogo. Os incêndios afectaram fortemente, no início do Verão, áreas muito importantes para a conservação da Natureza como as Serras do Caldeirão, no Algarve, e o Parque Natural da Arrábida, não tendo atingido as dimensões catastróficas de 2003 apenas porque a partir de Agosto ocorreu alguma precipitação por todo o país. As medidas de prevenção, vigilância e combate aos incêndios continuam a ser insuficientes para salvaguardar a floresta portuguesa.

• Conservação da Natureza deficiente.
À semelhança do ano transacto, 2004 continuou a ser um ano muito mau para a conservação da Natureza. A Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade continuou a ser ignorada, a falta de Vigilantes da Natureza é cada vez mais notória, foi adiado pela segunda vez o prazo de conclusão da maior parte dos Planos de Ordenamento de Áreas Protegidas e as dificuldades financeiras agudizaram-se ainda mais deixando o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) sem os meios mínimos para o desempenho das suas funções. Por outro lado, o processo de expropriação das competências do ICN teve um novo episódio em 2004 com a perda de funções na monitorização e fiscalização das actividades cinegéticas nas Áreas Protegidas.

• Diminuição da qualidade do ar.
Durante o ano 2004 a qualidade do ar continuou a revelar várias e graves deficiências, principalmente nos maiores centros urbanos. Para além da poluição por Ozono Tropoférico, confirmamos, com dados de 2003, que o poluente Partículas Inaláveis apresentou valores muito elevados em vários pontos do país. A Avenida da Liberdade, em Lisboa, foi o local onde se registaram os valores mais elevados para este poluente, ultrapassando em 131 dias do ano os limites mais tolerantes estabelecidos na legislação. Apesar desta situação resultar essencialmente do excesso de tráfego automóvel, o governo permitiu em 2004 um aumento adicional de 2,9% dos preços dos transportes públicos, em sequência da sua indexação ao preço dos combustíveis. Desta forma, em vez de se incentivar o uso dos transportes públicos foi criada mais uma penalização à mobilidade sustentável nos centros urbanos.

As Cinco Maiores Ameaças Ambientais para 2005

• Empreendimentos turísticos e imobiliários em áreas protegidas.
Á medida que os redutos naturais são cada vez mais raros no nosso país, os promotores imobiliários e turísticos aumentam a pressão sobre as Áreas Protegidas e os Sítios da Rede Natura 2000, ameaçando destruí-los com os seus projectos insustentáveis. Exemplos desta vaga de projectos contra áreas sensíveis são as 30 mil camas turísticas previstas para o Litoral Alentejano, a lista de mais de 30 empreendimentos turísticos e imobiliários para o Parque Natural Sintra-Cascais, o projecto para a exploração turística do Mouchão da Póvoa na Reserva Natural do Estuário do Tejo, a dúzia de projectos para alojamento de mais de 20 mil pessoas no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e outros investimentos para a Zona de Protecção Especial da Ria de Aveiro e para o Parque Natural da Ria Formosa.

• Mais Incêndios Florestais.
O ano 2004 foi um exame à lição dada ao país pelos incêndios de 2003. Os resultados demonstrados comprovam que ainda não foram tomadas medidas substanciais para evitar catástrofes como a ocorrida em 2003. Pelo que conseguimos constatar até à data, em 2005 a floresta portuguesa continuará à mercê da destruição pelo fogo sempre que as condições climatéricas sejam adversas e a incúria humana persista. Enquanto a sociedade portuguesa não compreender que é com a aposta na prevenção, vigilância e primeira intervenção que iremos conseguir salvar a nossa floresta, o fogo continuará a provocar enormes estragos neste importante património natural.

• Derrame de combustíveis no mar.
A Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa possui uma dimensão 18 vezes superior à área terrestre do país e constitui um local de passagem para uma grande quantidade de navios, muitos dos quais transportando produtos perigosos, nomeadamente hidrocarbonetos. A ausência de mecanismos de fiscalização e intervenção adequados à dimensão do mar português deixa o nosso país à mercê de um elevado risco de ocorrência de incidentes ou práticas ilegais capazes de provocar graves situações de poluição marinha. 2005 será novamente um ano em que Portugal continuará sem navios de combate à poluição, sem sistema de controlo de tráfego marítimo a funcionar, sem meios adequados de vigilância aérea e de patrulhamento marítimo e sem um rebocador de alto mar, deixando à mercê do acaso a ocorrência e as consequências de um derrame de produtos perigosos.

• Retorno da co-incineração.
No início de 2003 foi apresentado um plano para a gestão dos Resíduos Industriais Perigosos (RIP) que prevê a construção de Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Industriais Perigosos (CIRVER). Recentes declarações do Eng. José Sócrates deixam no ar a certeza de que, caso o seu partido ganhe as eleições, a co-incineração irá regressar como principal solução para a gestão dos RIP, não esclarecendo se vai ou não manter os CIRVER, os quais deverão ficar prontos a avançar. A se concretizar estas indefinições na gestão dos RIP arriscamo-nos a continuar com este problema por resolver durante muitos e longos anos.

• Maior poluição do ar nos centros urbanos.
Apesar de em 2005 entrar em vigor normas europeias que obrigam os veículos novos a serem mais amigos do ambiente (norma Euro IV) e os combustíveis a serem menos poluentes, o aumento do uso do automóvel particular, o crescente abandono dos transportes públicos e a ausência de medidas de diminuição do intenso tráfego no interior das cidades terá como consequência uma maior degradação da qualidade do ar. Os governos limitam-se assim a constatar este cenário, que tem fortes implicações sobre a saúde pública, sem que implementem quaisquer mecanismos para reverter a situação.


Os Cinco Maiores Desejos Ambientais da QUERCUS para 2005

• Abandono da Barragem do Sabor.
É necessário que o futuro governo assuma uma clara posição de defesa da Conservação da Natureza e revogue a anterior decisão de construção da barragem do Sabor, uma vez que todos os estudos técnicos demonstram que a opção escolhida é ilegal e altamente gravosa para o ambiente. A construção de uma grande barragem no rio Sabor, numa área integrada na Rede Natura 2000, onde se encontra uma flora de características ímpares em Portugal e uma elevada diversidade de habitats, constitui um grave atentado à vida selvagem. Os argumentos utilizados da necessidade desta barragem para o cumprimento do protocolo de Quioto e da quota de produção de energia renovável de 39% são altamente falaciosos pois representaria apenas uma redução de 0,17% do total de emissões de CO2 do país.

• Aprovar e implementar a Nova Lei da Água.
Portugal deveria ter transposto até final de Dezembro de 2003 a Directiva-Quadro da Água e não o fez. A nova Lei da Água, cuja discussão pública ficou concluída no início deste ano, continua por aprovar. Para recuperar o tempo perdido e iniciar uma nova política da água, Portugal terá de completar o enquadramento legal referente à transposição da Directiva-Quadro da Água e implementar no terreno os já aprovados planos de bacia hidrográfica e o Plano Nacional da Água. Nunca a política da água esteve tão vazia de acção e de estratégia, comprometendo o atingir de metas na área dos recursos hídricos, nomeadamente na monitorização, fiscalização e saneamento básico.

• Avançar no Ordenamento do Território.
A falta de ordenamento do território, particularmente nas Áreas Protegidas, continua a constituir uma forte ameaça ao desenvolvimento sustentável e à preservação dos valores naturais do país. Em 2005 será fundamental que os planos de ordenamento em falta em várias Áreas Protegidas sejam discutidos e aprovados e que se proceda à demolição das construções ilegais existentes; aprovar rapidamente o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura/Vila Real de Santo António, o único que falta aprovar na costa continental portuguesa; rever o regime jurídico da REN e da RAN através de um processo participado e transparente que contribua para um reforço da sua implementação no terreno; e discutir e aprovar o Plano Sectorial da Rede Natura 2000 e o Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território.

• Cumprir Quioto.
O desleixo de vários governos deixou Portugal numa situação de difícil cumprimento do Protocolo de Quioto. O ano 2005 será decisivo para Portugal, pois inicia-se já a partir de 1 de Janeiro o Comércio Europeu de Licenças de Emissão, o qual poderá constituir um instrumento impulsionador para que o nosso país aposte mais na eficiência energética, nas energias renováveis, nas novas tecnologias de produção e numa mobilidade sustentável. Se chegarmos ao fim de 2005 sem, pelo menos, evitar o crescimento das emissões de gases com efeito de estufa então, muito provavelmente, a Agência Europeia do Ambiente terá razão quando diz que Portugal já não vai a tempo de cumprir com o Protocolo de Quioto.

• Aprovar Plano Nacional de Ambiente e Saúde.
As interligações entre os factores ambientais e a saúde humana já há muito tempo representam uma grande preocupação ao nível internacional. Em 1994 Portugal comprometeu-se a realizar e implementar um Plano Nacional de Acção em Matéria de Ambiente e Saúde, o que, 10 anos depois, ainda não aconteceu. Pelo impacte que muitos factores ambientais (poluição química, poluição do ar, da água) comprovadamente têm sobre a saúde humana, é fundamental que os diferentes ministérios, com particular destaque para o do Ambiente e da Saúde, possibilitem a concretização deste plano. Actualmente, está em discussão a futura política europeia de químicos, onde os direitos dos cidadãos a estarem informados e protegidos em relação a substâncias perigosas devem ser defendidos sem tréguas. Espera-se que Portugal demonstre, claramente, o seu empenho na defesa dos direitos dos cidadãos em detrimento dos interesses específicos da indústria química.

A Direcção Nacional da Quercus- Associação Nacional de Conservação da Natureza

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